Não resta alternativa senão a luta

Rendimento Social de Inserção<br> exclui necessitados

Luís Gomes
O Governo desencadeou uma campanha difamatória contra o Rendimento Mínimo Garantido (RMG), criado pelo Governo PS com base numa proposta pioneira do PCP nesse sentido, e depois, criou um Rendimento Social de Inserção (RSI) que exclui milhares de necessitados, acusa Maria do Carmo Tavares, da Comissão Executiva da CGTP e membro da Comissão Nacional para o RSI, em entrevista ao Avante!

83 805 das famílias com RMN auferem salários muito baixos

O Governo PSD/PP alterou a legislação respeitante ao RMG. Quais foram as principais alterações registadas?

As alterações, que foram imediatamente contestadas pela CGTP/ Intersindical Nacional, prendem-se com a introdução de novas formas de discriminação dos jovens com idades entre os 18 e os 30 anos.
O Presidente da República remeteu o caso para o Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de alguns conteúdos, mas a maioria levou a proposta, de novo, à Assembleia da República com algumas alterações “cosméticas” e Jorge Sampaio acabou por promulgar o diploma que, de facto, acarreta uma discriminação evidente.
Para a CGTP-IN, o RMG é um direito conquistado muito importante que faz parte do sistema de Segurança Social e pretende abranger todos os que tenham poucos rendimentos ou nenhuns, além de outra condicionantes. As alterações vieram discriminar beneficiados dentro destes parâmetros, o que, para nós, é inadmissível.

Quem são os discriminados que deixaram de ter direito ao RMG?

São camadas sociais que necessitam realmente dele. Na maior parte, são pessoas em idade activa, à semelhança dos candidatos ao RSI, jovens que encontram dificuldades ao inserirem-se no mercado de trabalho.
Por outro lado, a perspectiva do Governo para a inserção é totalmente errada. As pessoas são obrigadas a aceitar, além do apoio monetário, um plano de inserção que tem por objectivo dignificar as suas vidas. A prestação é apenas o trampolim para a integração que não pode ser vista da forma como o Governo faz: como se fosse apenas a questão do emprego.
Ao obrigar jovens entre os 18 e os 30 anos a inscreverem-se nos Centros de Emprego,
sob pena de não terem direito ao RMG, o Governo prova que não tem em conta as suas dificuldades.

Como foi possível excluir os que não podem aceder, de forma imediata, ao mercado de trabalho?

Fizeram-se inquéritos aos abrangidos pelo RMG e concluiu-se que uma das grandes vantagens tinha sido a garantia de um melhor acesso à saúde.
As pessoas não sabem quais as instituições que lhes podem prestar apoios, e, nesse sentido, o RMG cobria essas falhas, encaminhando e orientando-as.
Muitos têm problemas de saúde, não têm habitação, estão em situações de auto-estima totalmente em baixo e para que possam um dia chegar ao mercado de trabalho terão que passar primeiro por vários patamares. Quem é que trabalha com uma doença grave ou graves carências sociais? E recorre logo ao Centro de Emprego, mesmo incapacitado? Isto é uma aberração total. Apetece perguntar como é que num Estado de Direito, uma lei com uma discriminação desta natureza passa em claro.

Com estas exclusões quanto terá poupado o erário público e quantos foram excluídos?

O cumprimento da lei respeitante ao RSI teve início há um ano e os dados disponíveis ainda são extremamente limitados. Ainda não é conhecido o universo de pessoas lesadas e não obtivemos resposta à nossa tentativa de saber como é que se está a realizar a inserção dos jovens entre os 18 e os 30 anos, uma vez que na campanha eleitoral uma das questões sobre esta matéria mais sublinhada pela direita foi passar a ideia de que «os jovens não querem trabalhar», através de uma tremenda campanha contra este direito importantíssimo por ser uma rede de protecção social.
A campanha gerou uma brutal má vontade contra este direito que passou a ser visto como um subsídio e não como o que é realmente: uma prestação com várias componentes que pretendia integrar os necessitados em políticas sociais multidisciplinares.

Então, o argumento utilizado pelo PP e o PSD, de que o Rendimento Mínimo era usado como um subsídio para quem não queria trabalhar, é uma falsidade?

A maioria dos que tiveram direito ao RMG tem rendimentos diversos mas muito insuficientes que vão dos 50 aos 500 euros. Isto demonstra a precariedade em que vivem as famílias portuguesas.
Basta um membro ficar desempregado ou auferir de um salário miserável de part-time de uma ou duas horas por dia que tem de recorrer a ele. Estes são os principais lesados com as alterações que vieram comprometer um apoio que serve, principalmente, não os mandriões como tanto foi exacerbado, mas antes famílias em condições extremamente precárias.
Não se pense que quem recorre ao RMG são apenas os que vivem na rua ou outro tipo de situações extremas. Os dados dão razão ao movimento sindical quando dá extrema importância aos rendimentos salariais.
Muitos são obrigados a recorrer a dois e três trabalhos diários para subsistir, e estes são a grande parte dos mais de 83 mil que têm de fazer face às necessidades do agregado, também através do baixo apoio que dá o RMG para que possam sobreviver, e mal. Além disso, estamos ainda numa situação em que co-habitam o RMG e o RSI.

Co-habitam como?

Os que estavam ao abrigo do RMG continuam abrangidos por esse diploma, uma vez que a nova lei só se aplica a novos casos que tenham entrado em vigor a partir de Junho do ano passado. As situações anteriores estão ao abrigo do RMG.
Segundo estatísticas de Agosto relativas a 2003, 121 mil famílias ainda têm direito a esta modalidade.
Destas famílias, 37 272 pessoas não têm qualquer rendimento, enquanto 83 805 têm rendimentos baixos e insuficientes, fruto da precariedade e da instabilidade no emprego que têm derivadas das políticas de direita seguidas pelos sucessivos governos.


São então os salários baixos e a falta de condições de vida de milhares de trabalhadores que justificam a existência de um RMG?

É esse o motivo porque o movimento sindical sempre acentua o problema dos salários associado aos direitos dos trabalhadores, chamando a atenção para o problema da precariedade, situações que estão intrinsecamente ligadas ao problema do RMG.
Entre 1998 e 2003, aumentou o número de famílias ao abrigo do RMG, mas também se registou uma diminuição dos valores médios no seu rendimento salarial. Isto demonstra que cada vez mais portugueses não ganham o suficiente para se sustentar, diminuindo o valor dos rendimentos que auferiam; ou seja: as pessoas que estão a recorrer a esta medida estão numa situação de ainda maior fragilidade do que em 1998.

Quanto ao Rendimento Social de Inserção, qual é a situação?

Até ao momento, nada sabemos sobre a situação real destas pessoas e o Governo nada revelou sobre a sua inserção.
A CGTP várias vezes questionou sobre a situação e os dados revelam que a inserção foi sempre muito débil no que respeita ao emprego, à formação e a outros factores que reflectem a real situação do País: por exemplo, como é que se pode dar formação quando os níveis de escolaridade e de formação são baixíssimos?
Quanto ao RSI, a situação é a mesma. A medida tem um ano e está muito atrasada. Os últimos dados fornecidos à CGTP revelam que de quase 49 mil requerimentos, apenas 6700 pessoas são titulares do RSI, representando 18 300 beneficiários.

A que se devem os atrasos no processo?

Os atrasos têm sido indecentes, na medida em que não é aceitável passar um ano e estarmos com estes níveis de atraso, motivados por várias razões. Há graves problemas informáticos ao nível do Estado que também aqui se reflectem.
Os vários governos têm desprezado o problema da formação em informática, gerando uma contradição: um Estado moderno que se queira desenvolver deve apetrechar-se de um bom suporte informático. Eles preferem antes realizar manobras de diversão, atacando os trabalhadores.
Estatisticamente, Portugal é, neste campo, de uma pobreza franciscana. Há áreas cujas estatísticas estão atrasadas em dois e três anos. A conta da Segurança social tem prazos de dois anos. Como é que se pode avaliar áreas com a importância desta natureza sem ter dados?

Que recursos humanos tem o Estado para garantir estas necessidades às famílias?

Existe uma escassez brutal de técnicos. A isto não são alheias a restrições que o Governo tem feito à admissão de funcionários públicos, com a agravante de a maior parte viver na precariedade.
Os técnicos existentes não podem fazer milagres. Ao depararem-se com situações de haver apenas um técnico para milhares de casos, não podem dar solução a todos. Inevitavelmente, os atrasos alastram.
Um País com faixas enormes de pobreza que precisa com cada vez mais urgência de avançar com planos sérios de inserção e de resolver carências estruturais, está a tratar estas questões com uma carga de amadorismo que é, às vezes, brutal pela sua lentidão e paralisia.
Passado um ano existem quase dez mil casos pendentes, à espera de parecer do Governo para ter direito ao RSI. Isto além dos que, entretanto, se candidataram.

Como é que o Governo tem assumido as responsabilidades?

No tempo de Durão Barroso saiu um despacho que revelou a intenção do Governo se descartar das suas funções relativas à analise destes processos, remetendo a responsabilidade para Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS’s).
Em vez de se apetrechar com mecanismos técnicos e humanos para cumprir com as suas obrigações, o Estado delega essa responsabilidade que obriga a uma grande personalização de cada caso, para essas instituições.
Surpreende ainda mais o facto de o financiamento para estas instituições assumirem a responsabilidade ser feito por via da Segurança Social, com verbas insuficientes de 4400 euros/mês para as instituições que acompanhem entre 40 e 60 agregados familiares, e 3300, para as instituições que acompanhem entre 20 e 40.
Perante estas verbas, temos sérias dúvidas quanto à possibilidade de as instituições poderem realizar o trabalho com alguma consistência.
O Estado pretende ver-se livre das suas funções sociais com a agravante de estarmos perante situações que, a serem resolvidas, obrigam a uma acção multidisciplinar de vários departamentos que nada tem a ver com as IPSS’s mas que apenas ao Estado compete satisfazer.

No que respeita aos rendimentos dos candidatos ao RSI, o que é que foi alterado, comparando com o RMG?

Sobre essa questão temos outra crítica: Com o RMG, a avaliação dos rendimentos baseava-se no último rendimento auferido pelo trabalhador. Durante um ano podem acontecer mil e uma situações que obriguem o trabalhador a não estar no activo mas esse não pode ser o motivo para discriminar.
A CGTP considera urgente que o critério seja o acordado no RMG – o último mês de trabalho para trabalhadores por conta de outrém, e a média dos últimos três meses para os independentes ou com rendimentos incertos - e que se elimine a norma que passou a considerar que o rendimento a ter em conta é o auferido no ano anterior ao pedido.

Toda esta situação está a fomentar ainda mais a exclusão social. Não se alterando esta situação, estaremos perante um quadro de acentuação dos índices de pobreza?

No último ano, dos candidatos ao RSI, 6740 casos foram indeferidos. 5277 deles por auferirem, alegadamente, de rendimentos superiores. Provavelmente destes mais de 5 mil casos, muitos têm a ver com a tal situação dos rendimentos que exclui muitos necessitados. É como a história da galinha: se um come uma galinha e o outro não come nada, a média apurada é que todos comeram meia galinha.

A CGTP teceu também críticas sobre a burocratização dos processos, entravando ainda mais a possibilidade de se recorrer ao apoio. De que forma está o processo mais burocratizado?

Tanto o RMG como o RSI têm um período de vigência, em média, de um ano, embora no Rendimento Mínimo, quando não se dava a reintegração da pessoa sem responsabilidades da sua parte, fosse automaticamente renovável. Não se perdia o direito porque a responsabilidade da inserção, além do particular, cabe principalmente às entidades públicas.
Não é aceitável que, passado um ano a receber o apoio, a pessoa tenha que voltar a meter todos os papéis de candidatura, sabendo nós que são caros, que muitos têm até dificuldades em moverem-se no meio destas instituições, muitos são analfabetos ou iletrados. Quase 1900 pessoas foram indeferidas por falta de documentação. Isto tem que nos fazer pensar. A pessoa mete os papéis e ao fim de um ano terá de voltar a tratar do papéis? É incompreensível.

Além destes três factores de crítica considerados essenciais pela CGTP, haverá mais deficiências a salientar nestas mudanças e paralisias?

Há, sim. Outro aspecto que nos suscita críticas prende-se com o facto de a lei dar apenas dez dias de prazo a partir da data em que se mete o requerimento para as pessoas apresentarem todos os documentos necessários, que não são poucos. Este será, certamente, mais um ponto a acrescentar às três reivindicações iniciais.
Em dez dias, até as instituições têm enormes dificuldades em dar resposta às solicitações. Certo é que a legislação refere que aquele prazo culmina com o arquivamento.
Os dados comprovam que 91 por cento dos casos arquivados têm a ver com a falta de documentação obrigatória.

Neste contexto, que futuro podem esperar os mais carenciados?

Não resta alternativa senão a luta muito e sériamente persistente, em defesa dos seus direitos e para exigir progressos, porque não podemos estar apenas a assistir a retrocessos nos direitos. Neste estado, a pobreza é uma questão estrutural espelhada em graves dificuldades reflectidas na falta de inserção social de cada caso.


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